A música brasileira está cada vez melhor. Sou daqueles que acreditam que estamos vivendo o momento mais rico da nossa história musical. Nossa música nunca esteve tão interessante, instigante, descentralizada. Isso sem contar sua diversidade. Não é inteligente comparar o atual momento com outros do passado. Os contextos cultural, político e tecnológico são diferentes. As pessoas são outras. E pessoas são influenciadas pelo meio em que estão inseridas. E desse modo influenciam o próprio meio. É um ciclo. Assim segue a roda da história.
Fato é que agora há, realmente, uma liberdade ilimitada para nossos artistas. Os que querem viver de música, vão aos trancos e barrancos (e muito suor na fuça) tentando fechar suas contas no final do mês. Os que querem apenas fazer e disponibilizar música na internet, trabalham para isso. Um ano acaba, mudamos a folha do calendário e brincamos de eleger os “melhores” do ano anterior. Mas a verdade é que todos devem ser respeitados. Independente do gosto de cada um ou da posição em alguma lista. Algumas bandas e artistas, nós apenas não gostamos. E não é por isso que seus trabalhos devem ser desrespeitados. Mesmo que em alguns casos ainda não estejam totalmente lapidados.
Se um artista gosta e sente orgulho do trabalho que faz, que continue, oras. Se ele acredita naquilo que produz, manda bala. Mas esperar que todos gostem e elogiem é outra história. As pessoas têm gostos diferentes, vontades distintas, prioridades diversas. E isso é bonito que só. Mesmo. Os gostos, vontades e opiniões alheias devem ser respeitados. Todo mundo tem seu telhado de vidro. Ainda mais em tempos de redes sociais onde todos sentem necessidade de opinar, julgar e crucificar aquilo que é diferente. Aquilo que é diferente do que não gostamos e acreditamos. Com exceção de alguns pilantras, que são fáceis de serem identificados, os artistas que não gostamos devem ser respeitados. Eles também estão escrevendo a história.
E em relação ao ato de escrever nossa história, 2011 foi um ano com boas páginas escritas. O Los Porongas lançou um belo álbum, O segundo depois do silêncio, em que confirma Diogo Soares como um dos melhores letristas dessa geração. Pélico finalmente ganhou a atenção merecida com Que isso fique entre nós, já que seu disco anterior (O último dia de um homem sem juízo, de 2008) parece não ter sido descoberto na época de seu lançamento. E é tão bonito quanto o álbum mais recente. Wado segue fazendo música popular (com Samba 808) e não tocando para as massas, o que é triste. Triste também foi o fim da Superguidis, uma das bandas mais incríveis (e com uma das discografias mais consistentes) que já passaram pelo Brasil. E eles deixaram o EPílogo na tentativa de amenizar a dor da despedida. Apenas uma tentativa.
Fabio Góes voltou ao centro das atenções com O destino vestido de noiva e provando por A+B que é possível fazer música pop de altíssima qualidade cantando em português com produção mais do que caprichada no Brasil. Criolo talvez seja dono do disco mais emblemático de 2011. Tanto pela sua própria qualidade artística quanto pelas discussões ao seu redor sobre ser hype ou não ser. Eis a questão. Nó na orelha de fato não é um disco de rap. É um disco de música. Música nem tão genial quanto o que foi ventilado por aí, é verdade. Mas um disco de música de qualidade. E isso é o que importa. Falando em hype, A Banda Mais Bonita da Cidade não fez barulho com seu disco homônimo, como ocorreu com o clipe pessoas-felizes-venham-me-abraçar de “Oração”.
E falando em fenômeno, Cícero é o artista que provavelmente deve levar 2012 no bolso. Dada a repercussão de seu álbum Canções de apartamento entre pessoas que já se tornaram fãs fanáticos. Algo como os que idolatram Los Hermanos até a última ponta. O jovem Silva também foi bastante comentado com seu Silva EP, que parece ser mais efêmero que o disco do Cícero. Embora sejam trabalhos completamente distintos. Romulo Fróes, o inquieto Romulo Fróes, tirou mais um bom álbum da manga. Não à altura de seu trabalho anterior (No chão sem o chão, de 2009), mas um disco que demonstra ser claramente aquilo que ele acredita. E isso não é pouco.
Kassin foi caminhando devagar em seu posto de produtor e se tornou um dos maiores nomes da nova música brasileira nesse início dos anos 2000. Seu primeiro álbum solo, Sonhando devagar, tem as letras mais nonsenses de 2011 e a sonoridade mais instigante. Além da música “Calça de ginástica”, desde já um dos clássicos da década. Um trabalho para se prestar atenção ainda em 2016. Momo lançou um triste e belíssimo disco, Serenade of a sailor, com muita música em inglês talvez mirando o mercado internacional. Potencial para isso, ele tem. Independente do idioma. Bonifrate foi a mais grata surpresa do ano com seu Um futuro inteiro: psicodelia brasileira de qualidade sem soar datado em pleno 2011. Jair Navez não lançou disco, mas um single (Um passo por vez) com duas músicas que seguem o caminho que lhe garante o carimbo de um dos compositores mais sinceros e viscerais que há muito tempo não ouvimos no Brasil. Karina Buhr segue com a banda dos sonhos de muito artista do mundo e lançou Longe de onde apostando em uma linha diferente do primeiro álbum (Eu menti pra você, de 2010). O que prova que, como nos palcos, ela é uma artista inquieta.
A música instrumental made in Brazil segue de vento em polpa: Bixiga70 dando orgulho a Fela Kuti em seu álbum homônimo. 4 Instrumental com um pé no rock progressivo aqui e ali em 4.1. Macaco Bong com um EP (Verdão e verdinho) nem tão inspirado quanto o disco de estreia. Mas ainda assim interessante. Aeromoças e Tenistas Russas e seu festeiro álbum Kadmirra. Isso sem contar o Vendo 147 pisando fundo em Godofredo e o Constantina com Haveno, um trabalho acima da média. O MarginalS entregou um disco único. O grupo registrou uma jam que não será reproduzida ao vivo. Isso pelo simples motivo de que todos os shows da banda são únicos, levados na base do improviso, de acordo com o momento. E o álbum, batizado (ou não batizado) como (disco sem nome), é uma boa síntese disso.
O rap também segue bem (possivelmente em seu melhor ano): Emicida com o EP Doozicabraba e a revolução silenciosa que só afirma sua qualidade e seu refinamento pop. Pop também mirado por Flávio Renegado em Minha tribo é o mundo. E, na mesma área, o Julgamento veio com seu segundo trabalho, o EP Muito além, que deixa mais claro o potencial que a banda tem para além das montanhas de Belo Horizonte.
Mesmo com um disco de releituras, por assim dizer, o Apanhador Só fez um trabalho interessante em Acústico-Sucateiro, gravado com sucatas e instrumentos musicais básicos. Tom Zé deve ter ficado orgulhoso do grupo. O Nevilton finalmente entregou seu álbum De verdade com canções jovens, pegajosas e até intensas. E intensidade é a palavra que sintetiza Peixe homem, do Madame Saatan, banda que faz música com peso, sem excessos e o principal: sem cair no virtuosismo chato de algumas bandas do gênero. Peso que pode ser percebido também com o primeiro disco cheio do The Baggios. Seus dois integrantes pegaram Raul Seixas, Zefirina Bomba, White Stripes, punk rock e bateram tudo em um liquidificador com uma empolgação adolescente. E acertaram a mão naquilo que se propõem a fazer. O liquidificador também foi utilizado pelo Graveola e o Lixo Polifônico para confeccionar Eu preciso de um liquidificador, álbum de sonoridade ímpar em 2011.
O Pública entregou seu álbum mais bem produzido, Canções de guerra, mas sem uma grande canção pegajosa. Como já está na história do grupo: “Long plays”, de Polaris (2006) e “1996”, de Como num filme sem um fim (2009). O Violins lançou Direito de ser nada, seu disco com sonoridade mais pop e ao mesmo tempo mais irregular se comparado com a própria discografia da banda, que tem no currículo pérolas como Aurora prisma (2003), Grandes infiéis (2005), Tribunal surdo (2007) e A redenção dos corpos (2008). Beto Só fez seu álbum mais introspectivo e confessional: Ferro-velho de boas intenções, cujo nome é algo a se pensar antes que a vida termine. E a letra de “Boas intenções” causa reflexão: “Por não querer nunca errar / meus planos todos adiei / […] / pior é que não há / do que me desculpar / só sou um ferro-velho / de boas intenções ”. E isso diz muito sobre os primeiros parágrafos desse texto.
Música é alimento. Ou pelo menos assim deveria ser com todo mundo. Mas cada um tem seu nível de envolvimento com música, que pode mudar vidas, acabar com algumas e fazer nascer tantas outras. Esse texto é apenas uma tentativa de organizar ideias desconexas sobre o ano que passou em relação à nossa música. Música que tenho tanto gosto em ouvir, pesquisar, indicar. A seguir estão 50 discos lançados em 2011 e disponibilizados para download gratuito pelos próprios artistas. Muita coisa ficou de fora, pois se eu fosse juntar tudo, esse texto não sairia antes do ano que vem. Atente-se para a diversidade e qualidade que temos em nosso quintal. E como eu escrevi lá no início: a música brasileira está cada vez melhor.
Busque o novo.
(Clique nos nomes para baixar os discos)
A Banda Mais Bonita da Cidade – A banda mais bonita da cidade
Academia da Berlinda – Olindance
Aeromoças e Tenistas Russas – Kadmirra
Apanhador Só – Acústico-sucateiro
Belo Horizonte – Uma trilha sonora possível
Beto Só – Ferro-velho de boas intenções
Cícero – Canções de apartamento
Cinco Rios – Todas as janelas do dia
Emicida – Doozicabraba e a revolução silenciosa
Flávio Renegado – Minha tribo é o mundo
Graveola e o Lixo Polifônico – Eu preciso de um liquidificador
Gui Amabis – Memórias luso/africanas
Harmada – Música vulgar para corações surdos
Kiko Dinucci, Juçara Marçal, Thiago França – Metá Metá
Los Porongas – O segundo depois do silêncio
Macaco Bong – Verdão e verdinho
Paralaxe – Deus ex machina ou o terceiro segredo
Pélico – Que isso fique entre nós
Rafael Castro – Rafael Castro canta Roberto Carlos
Romulo Fróes – Um labirinto em cada pé
stella-viva – Deus não tem aviões
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